Alentejo. Amor. Lisboa.
Fá-lo há 30 anos, com o à-vontade a que nos acostumou.
Romântico, boémio, alentejano, nostálgico, lisboeta, fatídico ou irónico, ajeita a boina como quem ajeita a alma e canta o adultério de Laurinda, recupera as cantigas de roda, a imagem de certa menina à janela, desmascara um Sr. da inexistente Leitaria Garret, marcha em Alcântara, invoca um Fado Alexandrino e arranca à memória outras histórias e até músicas que nunca havia cantado, compostas há mais de três décadas, "feitas num espírito fervente, pleno de agit-prop romântica", como lembrou.
A dada altura, elegante na pose, dramático no gesto, faz com que certo polegar com o indicador se encontre e conta-nos que um dia "um poeta surrealista pouco conhecido" lhe dera um "papelinho" com um poema e lhe dissera para dele fazer uma música.
O "papelinho" era o "Poema" de António José Forte.
Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada
alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler
alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios
alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar
"Quando penso muito, engano-me nas letras.
Quando penso q.b. enquanto canto, pergunto-me o que estou aqui a fazer com esta gente tão calada a olhar para mim"
Vitorino (Salomé), Casa da Música. 31.05.07.
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