segunda-feira, 21 de maio de 2007

Fernando Lanhas na Caminho

A Caminho editou, em Maio, mais um livro da colecção "Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX", sobre Fernando Lanhas: "A Experimentação Abstracta de Fernando Lanhas- uma Vontade de Mundo", de Filomena Serra.

Já que o lembramos, acrecento que João Trabulo, antigo aluno da licenciatura em Ciências da Comunicação na UBI, realizou um documentário: "Saber Ver, Demora", sobre este pintor.

E agora, nada melhor do que pôr Lanhas a falar de si próprio, numa numa entrevista ao JornalismoPortoNet (jornal digital da Licenciatura em Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto), que passo a citar:

Fernando Lanhas: "Eu não sei o que é a arte"

Publicado: 29.11.2005
Aos 82 anos, a arte permanece um enigma, porque "a arte não se entende". Quando pinta, Lanhas diz perder a "autoridade" sobre o que faz.
Em entrevista ao JPN, o arquitecto Fernando Lanhas confessa não ter qualquer tipo de definição para a arte. Talvez por isso mesmo recuse o rótulo de artista. Contudo, Lanhas integra a arte na sua vida como um meio através do qual procura compreender aquilo que o rodeia.

A arte é um dos meios que pode utilizar para compreender o mundo?

Ah, pois é! Porque quando começo a trabalhar num quadro ou numa pintura – eu chamo-lhe pintura, mas eu não sei bem se aquilo é pintura, e também não estou muito preocupado com isso –, quando estou a fazer um trabalho pintado, estou com interesse em saber o que vai acontecer no final. Porque eu não sei, não imagino. E, muitas vezes, parece que perco não a personalidade, mas a autoridade do que estou a fazer. Quando procuro uma cor, não sei o que vai acontecer e nem sei o caminho a ter. Mas, às tantas, num certo momento, digo: "é esta cor". Então, e porque é que é esta e não é aquela? O que é que nós temos, o que é que funciona em nós, o que é que comanda cá dentro? É o artista, é? É o artista que sabe? É ele que é dotado da capacidade de ser artista, ou é outra coisa qualquer?

Tem uma resposta?
Eu não sei. Parece que somos um meio, um instrumento feito homem que diz aquilo que parece que queremos dizer nesta data do mundo. A arte não se entende. Não se adivinha do que falamos. A arte só existe depois que é feita, não é? Eu não sei, mas acho que sim. Eu não leio livros de filosofia sobre arte. Mas os livros de filosofia de arte nunca nos dão aquilo que nós queremos, que nós perguntamos. Fazem a história, a interpretação. Mas aquilo que nós queremos mesmo saber, eles não dizem. Eles [os autores] são homens como nós! Não podem saber mais do que nós. Não podem ter aprofundado nem ter perdido mais tempo do que nós a fazer a mesma coisa! Eu passei a vida a fazer esta pergunta que estou aqui a fazer a si, e que hei-de continuar a fazer. Eu não mudei nada, só apurei porque aprendi mais e procurei saber. E a arte é como a ciência. A gente na arte também não tem muita resposta.

O que é a arte?
Mas o que eu tenho estado aqui a dizer-lhe é que não sei!

Considera-se um artista?
Eu nunca pensei nisso! Não faça perguntas esquisitas.

Em 1994, em entrevista ao jornal “Público”, afirmou que "ser artista é o pior que pode acontecer aos homens". Continua a pensar assim?
Sim, porque dizer "eu sou um artista", além de feio, é comprometedor. O nosso desejo de traduzir certas coisas, que nós sabemos que é possível mas temos dificuldade, é um drama. E, às vezes, conseguimos aquilo que queremos. Não é que esteja bem, mas é o que queremos. Conseguimos, e achamos que sim. Outras vezes, damos voltas e voltas e não conseguimos. Não era isto, não resultou. Depois vem uma pessoa de fora, que não sabe, e diz: "isto está muito bem, isto é interessante", e nós ficamos a pensar "eu julguei que não, e ele julgou que sim".

Por que é que isso acontece?
Não sei. É assim. O artista, às vezes, não é bom crítico. E eu conheço artistas bons que não são bons críticos. Não sabem o bom que fazem e julgam que aquilo não é tão bom. Mas, como é que havemos de os empurrar? Eles não chamaram por nós! E às vezes é desagradável dizermos "tu não sabes, mas tu és um artista. Tu tens valor, mas não sabes". É capaz de haver um ditado chinês que diz como se deve proceder: "aquele que sabe e não sabe que sabe, desperta-o". Não é bem o caso, mas está perto.

Ana Correia Costa

Sem comentários: